A disrupção do mercado de investimentos está completa.

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A disrupção dos investimentos está completa: O D de Democratização que incomoda os profissionais do mercado financeiro.

O que é a disrupção do mercado de investimentos?

Há poucos dias saiu uma notícia sobre um casal que viralizou no Tiktok. Eles contavam que investiam através do RobinHood e tinham retornos de 2000%, sem conhecimento técnico de investimentos ou algum tipo de análise.

Também vimos a notícia da empresa GameStop, com ações que valorizaram 145% em poucos dias e deixaram alguns investidores milionários, enquanto arruinaram outros.

Para melhorar, foi tudo parte de uma aposta da comunidade WallStreetBets no Reddit, uma rede social. Veja mais nesse artigo da BusinessWeek.

Como se não bastasse a loucura do GameStop, no meio da pandêmia jovens day-traders criticam Warren Buffet por não operar como eles.

O mundo de investimentos parece estar de cabeça pra baixo. Chegamos à disrupção do mercado de investimentos.

O que está acontecendo no mundo dos investimentos?

Em um momento de incerteza e crise o mercado esperava cautela e uma correção saudável dos ganhos nas bolsas mundiais. O que aconteceu foi algo diferente.

Investimentos explodem durante a pandêmia, consequencia do tempo livre e dos cheques de $1200 dados aos americanos (link)

Mas o ponto central não é o estímulo fiscal. O cerne da questão é que o avanço em computadores permitiu a aceleração da transformação exponencial de indústrias inteiras, e agora chegou com força ao mercado financeiro.

A transformação da forma com que investimos não é um caminho pavimentado e sem buracos. As notícias mostram que existem sérios riscos e que haverá muito caos antes da calmaria. (se é que haverá calmaria). 

O mercado financeiro de investimentos está passando pela transformação digital

Isso é um fato. Porém, me parece que há um incômodo com o que está acontecendo. Uma negação da realidade e um apego a fundamentos tradicionais que não são mais condição necessária para operar no mercado de investimentos.

Por isso, há pouco o que fazer. Esses vetores são mais fortes do que nosso apreço pelo passado, pelos valores e pela ética que deveria pautar o mercado. 

A democratização é positiva, o acesso universal deve beneficiar o público em geral. A tecnologia não é o problema, se usada da maneira correta.

Um alerta: eu defendo que investir é uma prática que demanda experiência e cuidado. Os riscos são altos. Comecei a investir em 2012, fazendo cursos e aplicando aos poucos. Também participei diretamente da criação de plataformas de investimento em ações, criptomoedas e EFTs. Vi em primeira mão o desenvolvimento dessa história e sempre defendi uma prática coesa.

Por isso, sou enfático em defender que a educação financeira é fundamental e ao final do texto eu apresento o que eu acho que devemos fazer.

Dito isso, também acredito que existem muitas pessoas, empresas e investidores que se preocupam em sustentabilidade, ou seja, redução de riscos.

Então reforço, o objetivo deste texto não é defender o problema, mas sim analisar os fatores que têm levado aos tombos na jornada para a democratização dos investimentos. 

A disrupção do mercado de investimentos está completa. 

Em seu livro Bold (link afiliado) Peter Diamandis apresenta o conceito dos 6Ds de Disrupção Tecnológica, uma jornada de fatores que indicam que uma indústria está passando por mudanças exponenciais, que transformam completamente as suas operações e criam grandes oportunidades para empreendedores. 

Indústrias inteiras, como a dos celulares e das câmeras fotográficas, foram completamente transformados por essas 6 forças tecnológicas, que são uma jornada de transformação. 

Abaixo analiso passo a passo o que aconteceu com a indústria de investimentos.

  1. Digitalização: O mercado financeiro se digitalizou quando saiu do pregão físico para o eletrônico. Com o tempo surgiram o home broker e os apps de investimento.

    O que antes acontecia no mundo analógico, através da negociação direta e do mercado de balcão, virou 0s e 1s em ordens instantâneas.

    Este foi o primeiro passo para a transformação exponencial do mercado financeiro.

  2. Deceptiva: Por muitos anos o mercado financeiro parecia não mudar muito, continuou restrito a poucos operadores, profissionais e algumas pessoas físicas. As barreiras de entrada ainda eram altas (expertise, valores de lote mínimo, custos de operação, interfaces técnicas).

    Nada muito especial parecia acontecer.

    Porém, as mudanças são exponenciais: inicialmente muitos poucos aderem ao uso, mas esse número cresce silenciosamente, até que os fatores exponencias se acumulam e os números se tornam muito grandes para ignorar.

    A velocidade de crescimento do Robinhood é um exemplo de um crescimento deceptivo que se torna grande mais para ignorar.

  3. Disrupção: Com a evolução do mercado digitalizado começam a surgir novas tecnologias que passam a transformar a indústria. Surge o Algotrading, o Home Broker, aplicativos de investimento pelo celular, etc. Muitas empresas de investimento passam a ser empresas de tecnologia (ex: XP, Clear, WealthFront).

    Mas a maior disrupção acontece com as eliminação das taxas de operação. A Robinhood causou uma mudança brutal no segmento, forçando gigantes como Trade, Schwab e TD Ameritra a zerarem suas taxas também. 
  1. Desmonetização: Com o avanço das tecnologias, também surgem novas possibilidades de modelos de negócio. Novamente, a redução dos custos de operação é o fator principal.

    De repente é possível operar na bolsa sem custo. Combinadas aos EFTs a demonetização do mercado financeiro reduziu a quase 0 a barreira de entrada, que antes eram altas, com os lotes de 100 e $10 por operação. 
  1. Desmaterialização: Hoje, para operar na bolsa basta um smartphone razoavelmente avançado, que é também sofreu o impacto dos 6Ds, e uma conexão 4G. Os investimentos sairam da bolsa de valores para o seu bolso, 24h, 7 dias por semana.

    Você pode operar nos EUA à tarde e no Forex no Japão à noite, de chinelo e na praia. 
  1. Democratização: Uma vez digitalizada, desmonetizada e desmaterializada, todos passam a ter acesso ao mercado de investimentos. Isso significa que os fundamentos técnicos e custos, que eram um barreira de entrada para o mercado, desapareceram.

    Qualquer um pode operar e ter retornos expressivos, seja por sorte, atalhos (hacks) ou experiência/técnica.

A disrupção do mercado de investimentos abre oportunidades para novos empreendimentos. 

A indústria do mercado de capitais, através de apps como Robinhood, eToro e Forex Trading chegou à fase 6 e está democratizada e universalizada. Agora é possível fazer investimentos com 1 dolar.

The gates are open.

Não há escapatória.

As críticas surgem por que se democratizou uma atividade que era quase que exclusiva a um grupo pequeno e seleto de profissionais.

Os profissionais do mercado e jornalistas vivem uma fase de rejeição dessa realidade. É natural e comum em qualquer transformação social e cultural.

Fotógrafos profissionais criticaram a popularização da fotografia através dos celulares, até que adotaram o seu uso. Professores e universidades criticaram o ensino a distância, onde qualquer um pode montar o curso, até que adotaram seu uso. Está acontecendo com bancos, manufatura, transporte, hotelaria…

E o mesmo acontece com profissionais do mercado de investimentos.

Em poucos anos, milhões de pessoas passaram a ter acesso ao mercado de investimentos através de ações, derivativos, forex e criptomoedas. Por isso ainda estamos em uma fase de crítica dessa democratização.

O que deveria vir a seguir seria a consolidação de boas práticas. Mas antes… 

Design de Interfaces (UX): parte do problema e da solução.

A popularização do uso de apps de investimento aconteceu devido ao avanço das tecnologias digitais, mas em parte também pelo surgimento de interfaces de usuário mais amigáveis, através da evolução do UX Design (User Experience Design). 

Paolo Sironi, uma das vozes mais respeitadas em Fintech, deixa claro em suas apresentações que a revolução Fintech passa pelo UX Design. Existe uma relação direta entre UX e a democratização, já que interfaces mais simples permitem que mais pessoas usem as ferramentas.

Até pouco tempo atrás, as interfaces de investimento eram complicadas e técnicas, o que restringia o seu uso a poucos experts.

A XP foi uma das primeiras empresas no Brasil que se preocuparam em entender o comportamento dos seus clientes e em simplificar as suas plataformas, e de maneira responsável, vale dizer. 

Participei de projetos de UX que tinham exatamente esse objetivo.

O UX / Design de Interfaces, é a disciplina que estuda as interações entre homens e máquina com o objetivo de otimizar a experiência de uso desses sistemas. 

Imagine um computador cheio de botões sem legendas, todos da mesma cor e com nomes complicados. O Designer de interfaces tem como objetivo entender como as pessoas interagem com esse computador, quais tarefas precisam realizar e, então, desenha o computador, organiza regras e formas visuais para simplificar o seu uso, sem dimunuir sua funcionalidade.

Para fazer isso, o Designer UX combina o estudo do comportamento humano e das suas interações com interfaces.

Algumas perguntas que o UX responde:

Como tornar um computador simples para que qualquer pessoa use? 

Como deixar um site simples e organizado para que eu possa encontrar o que busco?

Como desenhar um home broker que seja fácil de operar?

O problema é que ele também pode ajudar a responder uma pergunta muito capiciosa:

Como eu desenho uma plataforma de investimentos que aumente a frequencia de operações?

Desafio aos UX designers

Existe uma linha muito tênue, já que nem sempre o que é melhor para o usuário é melhor para a empresa. Esse é um embate comum quando se desenha um produto.

Além disso, definições de negócio impactam diretrizes de UX e decisões de UX podem ter grande impacto no sucesso do produto.

Este é um desafio ético da profissão. Portanto não estou criticando a profissão (sendo que eu mesmo fiz muitos projetos de UX), mas informando que a solução passa, em parte, pelo UX.


Como o UX Design impacta na transformação do mercado de investimentos

Através de práticas de Gamificação é possível remover quase toda a fricção entre um impulso e o botão de compra ou venda, o que pode criar incentivos psicológicos para aumentar a frequencia de operações.

Isso acontece por que existem incentivos financeiros para aumentar o volume de trades. Aplicativos como Robinhood ganham uma pequena porcentagem por operação. Quanto mais o usuário faz operações, mais eles ganham. There is no free lunch.
Link

Ao juntar o incentivo financeiro (por parte do broker) para um alto volume de operações e a possibildiade incentivar um alto volume de operações – reduzindo (intencionalmente) os mecanismos de alerta e informação – os aplicativos de investimentos viraram um jogo, com uma mecânica tomadas de decisão impulsiva.

Estes aplicativos atraem muitos jovens, acostumados com as dinâmicas de games.

Misturar games com investimentos é perigoso.

Robinhood, eToro e muitas interfaces parecem jogos que desassociaram a operação de compra e venda do risco de perda monetária. 

Uma Confluência de fatores perigosos. 

Apesar da alta liquidez gerada pelos planos de resgate fiscal dos Bancos Centrais, os fatores para esse comportamento exuberante já existiam em 2018, muito antes dos cheques de USD$1200. (Link)

A Covid-19 e o fluxo de auxílios do governo têm sido uma benção dos céus para a Robinhood. A empresa registrou mais de três milhões de novos usuários desde janeiro, um aumento de 30%, e espera que a receita atinja US$ 700 milhões neste ano, um aumento de 250% em relação a 2019, de acordo com uma pessoa familiarizada com as finanças da empresa privada.

Forbes

Se você remover o resgate fiscal, o acesso democratizado ao mercado de investimentos e a falta de educação financeira (formal) permanecem. Com a demonetização (redução de custos e valor mínimo para operar), todos podem operar, tenha ou não conhecimento técnico.

O ponto é que, apesar da democratização ser positiva, o público não necessariamente têm as condições apropriadas de aproveitar essa democratização.

Isso representa um grande problema. O mercado e os profissionais do mercado criticam, com razão, essa falta de preparo, por que isso representa um risco econômico significativo.

Pedir mais consciência na hora de investir não é suficiente. O problema é mais embaixo.

Jordan Peterson é enfático em apontar a crise existêncial da juventude, principalmente nos EUA.

Segundo o psicológo e autor de “12 Regras para a vida. Um antídoto para o Caos”(link afiliado), os fatores sociais e culturais que poderiam sustentar o desenvolvimento de jovens e adultos socialmente saudáveis, com condições necessárias para uma prática de investimentos responsável, parecem estar ausentes ou reduzidos na sociedade moderna.

Boa formação familiar e educacacional, pensamento crítico, trabalho estável, propósito de vida, são excessão. Não a regra.

Podemos supor que isso é um grande fator do crescimento do uso dessas soluções. O app da Robinhood dá a sensação de permitir um enriquecimento rápido, em meio a um mundo sem muitas perspectivas.

O que se tem a perder?

Esse potencial de enriquecimento fácil, através da bolsa, é encantador para um jovem sem muitas oportunidades de trabalho, endividado por empréstimos estudantis e que vive em um mundo de aparências no Instagram e TikTok.

Investir na bolsa é uma pequena chance de melhorar seu status social e econômico, através de uma linguagem gamificada, que ele conhece muito bem. É muito atrativo. Let’s Play! 

Junte tudo isso e parece que estamos perdidos. Mas acredito que, ainda, não.

Podemos só olhar o lado ruim da democratização da indústria financeira. Afinal, as notíticias negativas estão escancaradas e os riscos de acontecimentos trágicos são reais.

Parece que perdemos o controle e não há mais fundamentos técnicos para investir, ou existem e são muito frágeis. Podemos pensar em restringir o acesso a quem não tem preparo, porém, não acho que devemos restringir e frear a democratização e o acesso universal por causa dessas histórias.

O caminho, ao meu ver, é outro.

Como usar a tecnologia para democratizar e incentivar a educação financeira. 

Podemos usar a mesma tecnologia, a que permite as ações desenfreadas e irresponsáveis, para educar e promover uma prática de investimentos saudável e benéfica no longo prazo. 

A mesma dinâmica de gamificação que incentiva as operações frequentes e impulsivas pode ser usada para gratificar e estimular atitudes responsáveis e decisões educadas. Entretanto, isso depende da criação dos estímulos e incentivos corretos.

Parte dos incentivos deve vir de boas regulamentações, como da SEC nos EUA e da CVM no Brasil. Parte deve vir dos empreendedores e gestores, que escolhem desenvolver soluções de negócio que encorporem boas práticas, como fundamentos dos seus produtos.

Para que isso aconteça é necessário haver mais cobrança da sociedade e dos atores responsáveis e influentes do mercado.  

Parte das soluções de melhoria do mercado financeiro passa pelo UX

Através do UX Design, empresas podem adicionar elementos de educação financeira ao apps, alterar a interface para estimular práticas saudáveis, reduzir gratificações de curto prazo, melhorar sistemas de alerta, entre outros.

A outra parte depende da democratização da educação financeira.

Essa educação financeira pode acontecer dentro dos próprios apps  de investimento (como mencionei anteriormente), ou em soluções independentes. Além, é óbvio, de estar presente dentro da escola, na comunicação entre pais e filhos, etc. 

No Brasil, a nova BNCC incorporou a educação financeira como parte do curriculo nacional. O que é um grande passo. Além disso, ao meu ver, influencers digitais e todas os players do mercado também têm responsabilidade de educar seus seguidores e clientes. 

Instituições governametnais (como a ENEF) e não governamentais como a Bem Gasto (da qual eu faço parte como voluntário) são essenciais para levar a educação financeira ao público com menos acesso.  

Nos EUA a RobinHood parece estar indo nesse sentido e prometeu realizar mudanças que alterem a mecâncai de incentivos, principalmente agora que quer fazer o IPO.

É esperar para ver…

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