O que todo o criativo experiente gostaria de saber quando começou

 Quantas vezes você já tentou começar a praticar uma atividade criativa nova e largou logo depois de algum tempo? 

Queremos começar algo diferente ou novo, ou retomar aquele hobby que tínhamos quando jovens. Ou queremos aprender algo diferente, uma habilidade nova tempo livre ou até algo que possa virar um algo mais sério. No começo ficamos super empolgados e animados, mas ao longo do tempo e prática nós ficamos desanimados e depois de alguns meses acabamos desistindo. 

Por que isso acontece?

Imagine que você gosta de fotografia, conhece alguém que faz fotos legais e é algo que te parece interessante. Você decide então começar a fotografar.

Você compra um equipamento bom e caro e começa a tirar fotos. Talvez faça um curso no começo para aprender a usar a câmera e um pouco de composição. Depois, começa a fotografar um tema que gosta, a família, ou viagens. Faz isso durante algum tempo. 

Você começa a desanimar. Aos poucos você vai praticando menos e menos. 

Começa a pensar que, talvez, lhe falte o dom do artista ou que não é para você. Que tem gente muito melhor do que você e que é impossível chegar ao nível dos super criativos. 

Pensamentos de dúvida e questionamento começam a passar pela sua cabeça. Aquele ânimo e empolgação do começo desapareceram e deram lugar a frustração. 

Aos poucos você vai deixando a câmera de lado e tirando menos fotos, até que você abandona a atividade. Você acha que foi um fracasso. Dificilmente voltará a tentar uma atividade semelhante, tão cedo… 

Muitas pessoas passam por isso. 

O que aconteceu é que você caiu no Beginner Gap. Uma sensação que todos nós passamos quando começamos a praticar uma atividade nova. Esse Gap é inicialmente algo que acontece em atividades criativas, mas eu vou expandir o conceito um pouco, para atividades não criativas. As semelhanças são muitas, por isso é possível traçar paralelos. 

Entender como isso acontece e como passar por essa fase é essencial para se tornar mais criativo. 

Quando você começa uma prática nova, a desenvolver uma habilidade diferente, como a criatividade, existe uma grande diferença entre o seu senso crítico e a sua capacidade técnica.

Provavelmente você começou essa nova atividade por que tem um gosto estético alto. 

Quantas vezes não decidimos começar a praticar uma atividade nova como uma forma de desenvolver soluções que atendam melhor ao nosso senso de qualidade? Tomamos para nós a responsabilidade de criar algo que nos agrada. 

Imagine que você está aprendendo a pintar. Se você começar a pintar hoje e comparar o que você pintou como aprendiz com o seu pintor favorito, digamos, Van Gogh, você vai ver uma diferença gigante e pensar: “Eu nunca vou pintar como ele”. É uma hipérbole, mas ajuda a ilustrar bem o problema. 

Na essência, a causa do beginner gap é que você aplica o senso crítico da qualidade de um Van Gogh à habilidade de pintar de um aprendiz. Obviamente não vai dar certo. 

Isso gera frustração e aos poucos essa sensação vai acumulando até que você deixa de fazer aquela atividade.  

Como adultos já temos uma grande bagagem de referências e de valores críticos, do que é e não é bom. Também temos uma expectativa muito alta para o resultado do nosso esforço – nós superestimamos a nossa capacidade no curto prazo (falarei disso mais à frente).

Como nossa habilidade ainda é de um iniciante, essa diferença entre o que conseguimos produzir e o que esperamos produzir é alta. Como essa diferença é grande e gera frustração, o que não gostamos, abandonamos a prática.

A sequência é mais ou menos a seguinte: para ser um bom pintor você precisará praticar muito. Praticar significa errar muito. Errar causa dor. Não gostamos de dor, então não pratique. 

Vencer o Beginner Gap é essencial para adquirir qualquer habilidade. Seja criativa ou técnica. 

Dicas para vencer o Beginner Gap:

Estas dicas servem tanto para aumentar a sua criatividade como para adquirir outras habilidades durante a sua vida. Além disso isso também deve ajudar a acelerar o processo de aprendizagem. 

No geral estas dicas são “boas práticas” para o processo criativo e servem, não só para iniciantes, como para pessoas com mais experiência. 

  1. Defina um objetivo claro de onde você quer chegar
  2. Estabeleça mini-objetivos de qualidade alinhadas com o seu nível de experiência. 
  3. Pratique constantemente, mesmo que o resultado seja ruim.
  4. Comece produzindo coisas “brutas” e ruins e vá refinando aos poucos. 
  5. Tenha um processo de aprendizagem consciente. 

Defina um objetivo claro de onde você quer chegar:

Por mais óbvio que seja, nós normalmente não estabelecemos objetivos claros de onde queremos chegar. Falar que “Quero ser mais criativo” é muito amplo e genérico, o que faz com que você não tenha uma ideia do que é o sucesso.

Sem clareza, não sabemos ao certo o que, como e por que devemos fazer algo, o que não é uma receita muito eficiente para se manter motivado durante o processo de aprendizagem e evolução. 

Por não saber o que queremos, postergamos a definição do objetivo ficamos presos no processo de procura e definição do objetivo.  

Por que você quer ser mais criativo? Como “ser mais criativo” vai mudar a sua vida? 

Mas é importante entender que o objetivo final não é algo tão fixo. É importante ter um objetivo, mas ele deve funcionar mais como uma estrela guia, que vai evoluindo junto com você.

Objetivos devem ser revistos periodicamente. Isso é importante por que aprendemos muito durante o caminho e podemos refinar os objetivos de acordo com o que vamos aprendendo, tanto sobre a prática como sobre nós mesmos. 

No início você pode querer ser um fotógrafo, sem saber ao certo que tipo de fotografia te interessa mais. Você não precisa ser tão específico a ponto de definir que tipo de fotografia você quer fazer por que você ainda não sabe o que te instiga. Você vai descobrir durante o aprendizado e prática. 

Periodicamente revisite o seu objetivo para avaliar se ele ainda faz sentido. 

Estabeleça mini-objetivos de qualidade alinhadas com o seu nível de experiência:

Com o objetivo maior em mente você deve quebrá-lo em pedaços menores, mais fáceis de atingir. Isso torna mais tangível um grande desafio, como se tornar um pintor, ou aprender a programar. 

O problema com grandes desafios é que superestimamos o que podemos fazer num curto espaço de tempo e subestimamos a nossa capacidade em um espaço longo de tempo. 

Achamos que vamos aprender rapidamente sobre algum tema, o que normalmente é irreal. Não acreditamos na nossa capacidade de aprender sobre um tema muito complexo, mesmo considerando um espaço longo de tempo. 

Queremos aprender rapidamente a ser um especialista, pulando anos de prática e evolução. Mas não acreditamos na nossa capacidade de aprender um tema complexo dado o tempo necessário. 

Então, com o seu objetivo grande definido, liste quais são os mini-objetivos necessárias para alcançá-lo, alinhando com a sua capacidade técnica. 

Se você quer aprender sobre fotografia, uma boa lista pode ser:

  1. Aprender sobre como funciona a câmera e a relação com a luz.
  2. Aprender sobre os grandes fotógrafos e diferentes estilos. 
  3. Experimentar diferentes estilos de fotografia. 
  4. Escolher 1 ou 2 estilos que você se identifica e praticar.
  5. Aprender e refinar esses estilos.  

Uma boa forma de estabelecer e organizar esses objetivos é usando Objetivos SMART, do inglês: Specific, Measurable, Achievable, Relevant, Time Bond. Traduzindo, seus objetivos precisam ser

Específicos:

Aprender sobre como funciona a câmera fotográfica e a relação com a luz. 

Mensurável:

Preciso saber usar a câmera no modo manual. 

Alcançável:

Quase todos os fotógrafos sabem disso, então dá para aprender. 

Relevante:

Com isso eu vou conseguir dominar melhor a fotografia e controlar meu estilo 

Prazo de tempo:

1 mês. 

Se isso ainda é um objetivo muito grande você pode e deve quebrar em ainda pedaços menores. Ai não precisa escrever como SMART,  mas leve em consideração que eles precisam ser SMART. 

É importante ter isso listado para você controlar o que você aprendeu e monitorar a sua evolução. Pode parecer um exagero de controle, mas isso é uma forma eficiente e fácil de mostrar ao seu cérebro que você completou uma tarefa, o que libera dopamina. É como uma recompensa pelo seu esforço. 

  1. Aprender sobre como funciona a câmera:
    1. Velocidade de captura
    2. Configurações na lente
    3. Distância focal
    4. Sensibilidade à luz

Pratique constantemente

Uma das concepções erradas sobre o processo criativo é que ele é espontâneo, caótico e sem hora para acontecer. Temos aquela imagem (errada) do momento Eureka e esperamos que as ideias apareçam do nada. 

Alguns dos maiores artistas da história tinha/têm uma prática e rotina de criação muito bem estabelecida, quase sagrada e ritualística. O livro Daily Rituals de Manson Currey, mostra alguma dessas rotinas interessantes, bizarras e até divertidas de alguns pintores, escritórios, diretores de filme e outros artistas. 

Esse é um dos grandes “segredos” do processo criativo. A criatividade é um músculo, que se fortalece com a prática e repetição. 

Somos seres de hábitos. E ritualísticos. 

Estabelecer uma rotina de criação, diária de preferência, é uma forma de compromisso e coloca o teu cérebro em modo criativo. Além disso você evita de ter que tomar uma decisão, se você vai ficar mais 10 minutos na cama ou se vai praticar a sua escrita. A decisão já está feita – e não é descansar. 

Crie algo, mesmo nos dias que você não se sente pronto ou disposto, nos dias que tiver pouco tempo ou mesmo quando achar que tem algum bloqueio.

Se você tiver com algumas das situações acima, faça o esforço de criar 1/10 do que criaria. Escreva uma linha apenas. Tire uma foto somente, edite um parágrafo do seu artigo, tenha uma ideia para o seu projeto. 

Extra: Uma das técnicas que eu tenho vencer o bloqueio criativo é simplesmente eliminar o senso crítico. Se eu não sei por onde começar, eu começo a escrever qualquer coisa que me vem à mente. Aos poucos eu vou encontrando o caminho de algo que acho interessante e começo a listar tudo o que eu posso escrever. Depois eu volto para editar. 

Comece produzindo coisas “brutas” e ruins e vá refinando aos poucos. 

Um dos erros de praticantes iniciantes é ter uma preocupação muito grande com o refino dos trabalhos em uma fase muito prematura. De certa forma somos todos um pouco perfeccionistas e existe uma auto-exigência muito grande por qualidade. Porém, apesar de contra intuitivo, começar a refinar o trabalho muito cedo é um dos motivos que levam a trabalhos de baixa qualidade. 

Existem alguns motivos pelos quais isso acontece. 

O processo de refinamento é uma prática de convergência, eliminação e deve acontecer em uma fase mais avançada do processo criativo. 

O começo do processo criativo deve ser uma etapa divergente, de abundância, de adição. Nesta fase é importante ter o maior número de ideias possíveis, misturar ideias, testar novas combinações e conceitos diferentes. É esse tipo de prática “combinatória” que produz ideias novas e inovadoras. 

Somente após uma fase divergente é que devemos passar a uma fase de convergência, de refinamento das ideias. No entanto é importante dar espaço e tempo entre essas fases. O cérebro trabalha reinterpretando aquelas ideias iniciais e é durante esse espaço de descanso que novas ideias surgem, de como melhorar ou aprimorar algum daqueles trabalhos. 

Durante workshops e gestão de equipes eu percebo uma ansiedade muito grande em começar a trazer detalhes (refino) muito cedo no processo criativo, o que provoca uma série de consequências negativas para o processo criativo: 

  • Redução do número de ideias e possibilidades 
  • Refino de ideias com baixo potencial
  • Falsa sensação de qualidade
  • Refino sem priorização = resultado medíocre
  • Retrabalho

Essa ansiedade por detalhamento vem de uma percepção de que é isso que trará qualidade ao projeto, uma cultura de não priorização, uma ansiedade por resultados rápidos e uma falta de confiança (conhecimento) na mecânica do processo criativo. Tratarei desse tema mais em futuros posts, para não me alongar mais aqui. 

Tenha um processo de aprendizagem consciente. 

Outro erro comum de iniciantes é não ter um processo estruturado de aprendizagem, que ajuda a fortalecer pontos específicos necessários para se avançar na prática.

A aprendizagem consciente consiste em dividir os temas do aprendizado em partes e treinar essas partes de forma estruturada e focada com um espaço de tempo entre elas.

Identifique quais pontos da sua prática você precisa melhorar, ou quer aprimorar, e separe alguns dias para trabalhar somente esse tema. Estude e pratique por alguns dias, depois dê um espaço de uns 10 dias e retorne à praticar aquele mesmo tema. 

O espaço de tempo é importante para ajudar a reforçar o aprendizado. 

Referências:

Beginner Gap video 

Art of Learning de John Waitzkin 

Daily Rituals de Manson Currey

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