Desconstruíndo o processo criativo da colaboração entre Star Wars e Porsche – The Designer Alliance

Qual é o processo criativo de grandes histórias, designers e projetos? Esta é uma pergunta recorrente na minha cabeça. Eu gosto de conhecer as histórias sobre como as coisas são criadas para aprender, observando e desconstruindo o processo de criação.

Após estudar esses processos eu procuro paralelos com a minha realidade, aproveitando o que está pronto e adaptando o que é necessário. 

No Projeto The Designer Alliance um mini documentário produzido pela Wired Brand Lab (um braço da revista Wired) para a Porsche e a Disney é possível conhecer o processo de criação de uma nova nave para o Star Wars, unindo as visões das duas marcas. 

Infelizmente essa nave não aparece no episódio final de Star Wars A Ascenção Skywalker, mas tudo bem. O que vale aqui é o aprendizado.

Alerta: Eu sei que existem uma série de críticas ao resultado deste projeto, porém, não é isso que estou analisando aqui. Eu não irei opinar sobre o design final da nave. 

Resumo do post: 

O que podemos aprender com esse processo criativo e como podemos aplicar esses aprendizados nas nossas vidas profissionais e projetos pessoais, sejam eles criativos (artísticos) ou técnicos? 

O que você vai ver neste post:

  • Como é o processo criativo utilizado em uma colaboração entre Disney/ILM e Porsche.
  • A importância da liderança, de um processo bem definido e do tempo no processo criativo. 
  • Como a prototipação e a colaboração produzem ideias que se transformam em uma solução final robusta. 
  • Como trabalhar com equipes de empresas diferentes em um processo criativo. 

A análise é totalmente baseada no mini documentário. As imagens obtidas são do vídeo e do site da campanha. Para analisar eu levantei algumas hipóteses e tracei paralelos com o cotidiano dos projetos e métodos criativos conhecidos.

Processo Criativo vs. Processo de resolução de problemas

Eu usarei muito o termo “processo criativo”, porém você pode considerar que esse processo serve para resolução de problemas como um todo. Aqui falamos de criação de uma nave, porém poderia ser a criação de um produto, de um serviço, de um processo industrial, ou uma solução para um desafio operacional.

Desafio

O projeto parte da ideia de unir duas visões diferentes sobre design. Além da oportunidade de marketing, eu imagino que a ideia tenha surgido da vontade de criar algo diferente. Tradicionalmente a área de Design da Lucasfilm já usa uma série de referências e inspirações durante a criação das naves, como apontado em uma série de referências existentes por aí (livros, vídeos, artigos). 

Os mais aficcionados na série Star Wars sabem que os designs das naves em Star Wars seguem uma narrativa e cronologia, que impactam no seu estilo e Design. Um exemplo é a Naboo Royal Cruiser em “Star Wars A Ameaça Fantasma”, que é elegante e chamativa. Ela é de uma era pacífica, sem guerras, feita para demonstrar realeza. Ao longo da história, conforme a guerra vai se desenvolvendo, as naves passam a ser mais retas e industriais, mais agressivas e mais funcionais, características mais bélicas. 

A Disney e a ILM – Industrial Light & Magic (estúdio de efeitos visuais da LUCAS FILMS) –  poderiam simplesmente ter desenhado uma nave esportiva sozinhos. Eles têm essa capacidade e tem feito isso muito bem. Porém, além da oportunidade de marketing (para a Porsche), por que não ir além? Tentar algo diferente? 

Desafio inicial: 

Como construir uma nave única, como nenhuma outra? 

A partir dessa ideia, de colaborar na criação da nave, o desafio foi imaginar como seria uma nave espacial do Mundo Star Wars e que incorporasse o design esportivo da Porsche.

Esse desafio precisa seguir alguns parâmetros estabelecidos, como ter 4 motores, ter espaço para 3 pessoas, ter espaço para carga. 

Quais são as especificações técnicas que a solução final precisa apresentar? 

Em todos os projetos existem essas limitações. É importante haver esse tipo de definição no começo, para guiar a criação. Além dessas especificações técnicas, também são apresentadas algumas limitações visuais e narrativas, como apresentado a seguir.   

Especificações e limitações da nave. Crédito: The Designer Alliance

Design Ethos – Legado 

O Doug Chiang (VP Executive Creative Director da Lucasfilm) explica sobre o Design Ethos do Star Wars, o que o George Lucas explicou sobre o que é o design da série. 

Do outro lado, MICHAEL MAUER (VP Style da Porsche) também explica o que é o design Ethos da Porsche, os elementos chave da linguagem da marca, as proporções das partes e tudo o que constrói o elemento visual do automóvel

Soluções para projetos não acontecem em um vácuo criativo. Algumas vezes pensamos em soluções que não levam em consideração o legado da empresa para qual aquela solução será desenvolvida. É importante reconhecer a importância que o legado, a história, tem no processo criativo, por que ela inspira a solução e traz uma coesão para a solução, o que torna o resultado mais autêntico. 

Qual é o legado, as características essenciais, seja do criador, seja da empresa, que devem delinear o processo criativo, ou a solução final?

Pesquisa e inspiração

Parte essencial da criação de qualquer solução é a pesquisa, que serve para inspirar os participantes de contexto, ideias e dados que podem ser utilizados para as soluções. 

Doug e Michael mostrando as referências visuais de Star Wars. Crédito: Jalopnik

“Não tenha medo de usar inspirações nos seus designs. Não é sobre copiar a sua inspiração,  sim sobre como você interpreta essa inspiração”.

Doug

A inspiração aqui é muito visual e narrativa, por isso eles visitam o museu da Porsche, imprimem  imagens das naves e objetos do Star Wars. É importante ter essa referência visual presente durante o processo criativo, para inspiração e referência.

O processo de inspiração demanda um tempo para se sedimentar e ser absorvido, para que os participantes possam traçar paralelos. Nem sempre temos tempo para absorver essas referências, porém é importante absorver e deixar consolidar.

Como você usa pesquisa e inspiração no seu processo para inspirar a resolução de problemas? 

Colaboração

O próprio desafio do projeto já implica a colaboração. O time de desenvolvimento do Star Wars poderia muito bem coletar um monte de referências e se inspirar no design automotivo da Porsche, desenhando sozinhos. Mas o resultado seria exponencialmente melhor se o próprio time que desenha os carros estivesse trabalhando no projeto. Isso é óbvio.

Considere que são duas equipes trabalhando em conjunto. A colaboração é chave para a construção de soluções de grande impacto.

Porém normalmente é difícil trabalhar em equipe. Infelizmente é muito mais comum ter trabalhos colaborativos conflituosos, que impedem a criação de algo icônico. Briga de egos, falta de propósito e guia e principalmente pouca clareza sobre o por que as equipes estão trabalhando juntas. 

Onde você trabalha, o trabalho em equipe e entre equipes diferentes, é visto como positivo ou evitado a qualquer custo? 

Nesse projeto da Disney/ILM e Porsche o trabalho em equipe funcionou por haver algumas características:

  1. Um propósito claro e alinhado entre as duas equipes, como apresentado anteriormente.
  2. Uma liderança bem estabelecida e preparada, que comunicava claramente o que deveria ser feito e que tinha a autonomia para vetar e apontar direções. O objetivo do Michael e do Doug Chiang – VP Creative Executive Director da Lucasfilm, que liderou o projeto, era de “guiar os designers, extrair o melhor dos dois times para criar uma solução forte”. Apesar do processo ser colaborativo, existe uma hierarquia. 
  3. Um processo claro e simples, que foi comunicado a todos os participantes. Simplicidade é importante para que todos entendam o que estão fazendo e suas funções.
  4. Mesmo com etapas de trabalho remotas, os times trabalharam eficientemente. Isso acontece por que houve uma fase de integração antes do trabalho remoto. Os times se conheceram e passaram alguns poucos dias se conhecendo e trabalhando em conjunto. Como o processo está bem definido, cada time sabe o que fazer e não há desperdícios desnecessários. 

Estudos mostram que equipes remotas trabalham melhor após uma fase de integração onde todos estão juntos.  Eu não achei o artigo que li sobre isso. Se você tiver alguma referência, me envie nos comentários. 🙂

Tamanho da Equipe

O tamanho da equipe também é algo fundamental e não deve ser deixado ao acaso. Projetos de colaboração criativa funcionam melhor com equipes pequenas, de até 7 pessoas. Essa limitação no tamanho da equipe tem sido utilizado em diversos segmentos, do desenho de uma dos mais avançados bombardeiros americanos, o P-80 (Shooting Star), até processos criativos em workshops de criação  em pequenas startups. 

O motivo desse tamanho de equipe é que é suficientemente grande que permite que diferentes ideias e expertises participem do projeto, mas que ainda permite a troca e o fluxo de informações de maneira eficiente entre os integrantes. Mais do que 7 pessoas a comunicação se perde, a gestão do conhecimento fica mais difícil e o processo criativo fica debilitado.

O Jeff Bezos da Amazon limita os grupos de trabalho usando a regra 2 pizzas: Duas pizzas devem ser suficientes para alimentar os integrantes da equipe. 


Leia sobre por que montar times menores (Forbes)

Em situações onde é necessário trabalhar com mais de 7 pessoas o ideal é dividir em grupos menores. Com isso existem dois caminhos: dividir os desafios em partes e distribuir entre as equipes, ou dar o mesmo desafio para cada equipe e estimular uma competição para encontrar uma solução. 

Tempo

Um outro fator crucial para o projeto era o tempo de desenvolvimento: 6 Semanas.  

Nem muito curto que não permitisse as ideias se desenvolverem, nem muito longo a ponto de tornar muito relaxado e solto. 

Aqui o tempo deveria permitir que as ideias se desenvolvessem, que as pessoas pudessem absorver os elementos necessários e, principalmente, deixar as ideias evoluírem com iterações e revisões programadas. 

O VP Style da Porsche, Michael Mauer, deixou claro que mesmo com esse tempo, aparentemente longo, havia uma grande pressão, principalmente se comparado ao tempo de desenvolvimento de um carro. 

Processo / Etapas

Como apresentei anteriormente, ter um processo simples e claro é parte essencial para aumentar a capacidade criativa e permitir que as duas equipes trabalhassem em conjunto. 

Crédito: The Designer Alliance

Aqui, imagino que os líderes de cada lado tenham discutido e combinado o processo de antemão. O planejamento prévio é importante já que muitas vezes chegamos nas reuniões para resolver problemas sem ter nem ideia de como vamos prosseguir. Ou iniciamos projetos onde a equipe não tem uma visão muito clara de como serão as etapas, o que gera ansiedade e incerteza.

O processo é claro e simples. E não sofre alteracões durante o projeto. Apesar da característica não linear do processo criativo, da sensação de indefinição em algumas etapas, é importante seguir limitações de tempo e milestones bem definidos para o processo, quando ele é puramente de criação. 

Metas de tempo são importantes para estimular a priorização do que é mais importante e essencial para seguir adiante.  

Etapas do projeto, como apresentado. 

0 – Kick Off e Briefing: Apresentação do projeto e do Briefing, o desafio que as equipes tinham que resolver. Apresentação das limitações criativas, ou especificações da aeronave. Tem que ter uma personalidade. 

1 – Blue Sky Iteration: Começam com desenhos bem simples de ideias, tentando traduzir as inspirações e briefing em ideias visuais bem amplas. É uma fase exploratória, com o objetivo de gerar um grande número de opções e conceitos diferentes. 

2 – Definir Direção: Comparar e discutir as ideias. Os líderes de cada grupo selecionam uma direção de design em conjunto. Avaliam quais elementos estão alinhados com o briefing e que têm potencial de serem desenvolvidos a seguir.  

Observe que não é um processo “aberto” onde todos decidem. Processos de votação de ideias não funcionam por que os critérios utilizados por diferentes pessoas são muito variados e nem sempre estão alinhados com os objetivos do projeto. Os líderes dos projetos guiam a definição, como guardiões do desafio e assegurando que as especificações técnicas e de design estão sendo seguidas. 

Com o direcionamento definido, os dois times se juntam e começam a refinar as ideias numa versão do que seria o conceito de “hero design”. Aqui o processo ainda está bem longe de ser concluído. Aqui eles procuram definir quais elementos a nave deve ter. 

Durante o vídeo eles falam do impacto que as posições das “turbinas” tem na percepção de esportividade da nave. Ter uma série de opções diferentes é importante para permitir uma visão comparativa. Opções geram contraste, que facilita a distinção entre ideias. 

3 –  Refinar – Prototipação:  Após a definição, dos caminhos a serem seguidos e dos tipos de elementos que devem fazer parte do design, os times partem para transformar os rabiscos em conceitos mais refinados. Esses desenhos, em 3D, são uma versão mais evoluída do rabisco inicial, ajudam a dar uma perspectiva mais clara sobre as ideias. Porém, ainda estão longe de representar uma solução final e devem ser vistos como descartáveis. Por isso não se coloca tanta energia em uma única solução. Aqui, o processo ainda é de criar, refinar, alterar. 

Nesse processo as equipes têm reuniões por vídeo e presenciais. Um round de refinamento remoto, logo após a etapa anterior. As equipes avaliam os designs por vídeo. 

Depois, elas se reúnem novamente, agora nos estúdios da Lucasfilm.  As equipes pegam todos os seus protótipos e conceitos, refinados durante a etapa de trabalho remoto, e discutem os protótipos desenhados. O objetivo dessa fase é chegar mais próximo do que será a versão final. 

A fase de prototipação permite que os conceitos finais já estejam bem evoluídos. Porém, ainda não há um desenho ou nave vencedora, ou uma ideia melhor que é capaz de incorporar tudo o que há de melhor. Muitas vezes há uma tendência a tentar emplacar uma draft do projeto como sendo o final, quando o ideal é ir montando a solução com partes e refinando, por isso é importante deixar o ego de lado, não há um dono da solução. O trabalho colaborativo implica que as soluções finais são construções de várias soluções menores.

A nave final é uma combinação de várias ideias. Crédito: The Designer Alliance

O processo colaborativo aqui tem sua fase mais destacada: as equipes recortam as naves e pegam elementos interessantes de cada uma, com isso eles “constroem” uma nave que é um picado das naves.

Quantas vezes nos apaixonamos por nossas ideias a ponto de não permitir alterações? 

Aqui, o conceito final da nave é, literalmente, uma colcha de retalhos, das ideias de vários participantes. “Happy Accidents” de partes diferentes, que combinam para criar algo novo e diferente. 

O processo é aditivo. O modelo mental é: o que pode ser melhorado?

Que é muito diferente de um modelo onde se pergunta “O que está errado?”.

Ao invés de desconstruir as ideias, os participantes se perguntaram: o que podemos incorporar para melhorar o conceito? Pegaram o que havia de melhor na solução de cada um dos conceitos e uniram para formar uma solução mais forte e robusta.

A solução final é uma combinação interessante das duas visões. O resultado é a Tri-Wing S-91x Pegasus, que não foi utilizada no episódio final, A Ascenção Skywalker

Créditos: https://thedesigneralliance.com/


Por isso eu sou fascinado em conhecer e estudar o processo criativo de outras pessoas. Sejam elas criativos, artistas, ou de outras áreas, como exatas. 

Espero que aproveitem os aprendizados desse processo criativo.

O que acharam desse tipo de post, de desconstrução de um processo criativo? Gostariam de ver mais?

Gostariam que eu fizesse o mesmo para outro processo? Comentem abaixo.

Outras referências: 

14 regras do Skunkworks _ https://www.lockheedmartin.com/en-us/who-we-are/business-areas/aeronautics/skunkworks/kelly-14-rules.html

Naves Naboo: http://sw.50webs.com/naboo_vehicles.html

Imagens: https://jalopnik.com/porsche-and-lucasfilm-team-up-to-design-a-new-star-wars-1839331421

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